domingo, outubro 29, 2006

Livro: “A Sangue Frio”


Num sarau literário, em que autores discutiam sobre seus livros, o baixinho e frágil Truman Capote vira e diz: “Tudo isso que vocês estão dizendo pode ser muito interessante, mas a verdade é que eu escrevi uma obra-prima, e vocês não”. Apesar da total falta de modestia, Capote estava certo. “A Sangue Frio” que inaugura o que Capote chama de “romance sem ficção” lançado pela Companhia das Letras, na coleção Jornalismo Literário, com tradução de Sérgio Flasksman, é o romance de um relato verdadeiro do homícidio múltiplo da família Clutter por Perry Smith e Dick Hickcock e suas posteriores conseqüências (prisão e execussão por enforcamento).Capote fez este livro-reportagem sem gravador ou bloco de notas (tão prejudiciais ao relato jornalístico e abominados por Capote), para escrevê-lo só utilizou sua prodigiosa memória. Segue abaixo um trecho do genial “A Sangue Frio”:

“Perry passou todo o verão oscilando entre um estupor semi-adormecido e um
sono doentio, encharcado de suor. Vozes trove-javam em sua cabeça; uma delas lhe
perguntava o tempo todo: "Onde está Jesus? Onde?" E um dia ele acordou gritando:
"O pás­saro é Jesus! O pássaro é Jesus!". Sua antiga fantasia teatral
favorita, aquela em que ele se chamava "Perry O'Parsons, A Sinfónica de Um Homem
Só", voltou sob a forma de um sonho recorrente. O centro geográfico do sonho era
uma boate de Las Vegas em que, usando uma cartola e um smoking brancos, ele
desfilava por um palco ilu­minado tocando gaita, violão, banjo e bateria,
cantava "You are my sunshine" e subia sapateando um curto lance de escadas com
os degraus pintados de dourado; no alto, de pé numa plataforma, agradecia ao
público. Mas não se ouvia nenhum aplauso, embora milhares de espectadores se
apinhassem na vasta e suntuosa plateia — um público estranho, composto quase que
exclusivamente de homens, na maioria negros. Olhando para eles, o artista suado
finalmente entendia seu silêncio, porque de repente percebia que eram todos
assombrações, os fantasmas dos executados, dos enfor­cados, dos asfixiados
pelo gás, dos eletrocutados — e no mesmo instante ele compreendia que estava lá
para juntar-se a eles, que os degraus dourados o tinham levado ao cadafalso, que
a plataforma em que se encontrava abria-se debaixo de seus pés. Sua cartola
caía; urinando, defecando, Perry O’Parsons partia para a eternidade”.

posted by Sérgio Rodrigo @ 9:16 PM   2 comments

2 Comments:

At 3:16 PM, Blogger Bruno Portela said...

Ressucitaste o blog? rs

 
At 3:56 PM, Blogger Ariani Caetano said...

Pô, Sérgio...
Publicidade no meu blog não, né...

 

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